domingo, 5 de abril de 2015

Diário de Leituras: Um Gosto e Seis Vinténs


                Iniciei a leitura deste livro de forma despretensiosa, como quem foge do tédio, como quem busca uma companhia para o fim de semana. Na verdade, fiquei  indecisa diante de uma estante de opções. Olhei, folheei, dispensei alguns livros, pensei em escolher outros. Na dúvida entre este e um outro que não me cabe mencioná-lo aqui, decidi ler os primeiros capítulos de cada um deles. Na verdade, comecei pela apresentação de “Um gosto e Seis Vinténs” e a partir daí só descansei depois que conclui sua leitura, uma semana depois. Agora, enquanto escrevo, tomo consciência de que ainda não “descansei” por completo. Há uma inquietação nesta obra que, inevitavelmente, fica conosco.

Não se trata de uma biografia, mas o livro traz elementos da vida do pintor pós impressionista Paul Gauguin. Assim como Paul, Charles Strikland a princípio é apenas um corretor da bolsa de valores, e, também como aquele,  abandona a família para se dedicar única e exclusivamente à arte. O livro levanta questões como a dificuldade do reconhecimento de um gênio por seus contemporâneos e a busca incessante do verdadeiro artista pela beleza.  Fica claro no livro que o que de mais importante existia na vida do pintor Strikland era a própria arte. A primeira parte é narrada por um escritor, cujas memórias trazem episódios de sua convivência com o pintor. Desde o dia em que se conhecem, num jantar oferecido pela esposa do Strikland  até o convívio como “amigos” posteriormente em Paris. Neste ínterim há os conflitos gerados na família de Storve, personagem que surge como o único contemporâneo com sensibilidade capaz de reconhecer a grandiosidade da arte produzida pelo gênio Strikland. O reconhecimento e acolhimento que Storve oferece a Strickland culminam com a morte  trágica de sua esposa. Morre. Mata-se de amor pelo estranho artista.  Num segundo momento, o escritor  recorre às memórias de outras pessoas que conviveram com Strickland quando ele decidir casar-se e viver numa ilha nativa com sua companheira. Ao término de tudo, depois de anos isolado e sendo destruído pela doença que lhe consumia, é fascinante a cena final do livro, o êxtase e a realização de um gênio diante da grandiosidade de sua própria criação.


Livro: Um Gosto e Seis Vinténs
Autor: William Somerset Maugham
Ano: 1919


sábado, 9 de agosto de 2014

Fenômeno Celeste

Os tons celestes já estão mudando
É fim de tarde e o sol em despedida
Anuncia na porta de saída
Que esta noite terá um tom mais brando

Apressada, eu sigo pelo asfalto
Corto prédios e pontes, pego a estrada
Sentindo-me outra vez desesperada
Sufoca-me este prédio que é tão alto

Os fios e letreiros da cidade
Luzes mortas de muita intensidade
Estragam a paisagem do lugar

Mas, súbito, eu vejo do meu carro
Com a imensidão sublime eu me esbarro
É a lua que não mais hei de encontrar.

(Yvanna Oliveira)

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O louco


“Eu prefiro um galope soberano/ À loucura do mundo me entregar” (Zé Ramalho)

Se me chamam louco, insano, se me apontam
Se me acusam diferente do que são
Se também os meus delírios te espantam
Porque sei que há no mundo uma distorção

O meu nado vai contrário a correnteza
O real é mais complexo que parece
O meu mundo é sem espaço pra vileza
E o louco que em mim mora nunca esquece

Da atroz selvageria do teu mundo
Que é normal em toda sua crueldade
Este orbe que acaso eu circundo

Quer tirar o meu sentido de viver
Fiquem certos de que nesta realidade
Para o louco abrir os olhos é morrer!

(Yvanna Oliveira)

Janelas



Aos fins de tarde
O vento assobia
E a poeira unida
Entoa uma canção
Que soa amor
Vazio
E melancolia

Nas noites insones
Um cão abandonado segue
E uma coruja triste
Espreita por trás da cortina
O casal de amantes
E sua dança fúnebre
Amar é morrer
Um pouco a cada dia
E todo dia renascer

Quando o dia
Já se quer manhã
O primeiro raio adentra
Num toque suave
Beija a face
Da mulher adormecida
Sem disfarce, nem encanto
Sem pudor
Um raio de luz tem tanta força
Que enche de fantasia
O que por trás da janela
Carece de brilho
Padece de realidade.

(Yvanna Oliveira)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Que se perca toda falsa intuição

Que se perca toda falsa intuição
As certezas são, acaso, uma cilada?
Na verdade de qualquer afirmação
Pode haver uma premissa equivocada

Todo olhar esperançoso é ilusório
Cada vulto do futuro é assombroso
Todo estado nesta vida é transitório
E o passado já me soa duvidoso

Que se perca toda reles profecia
De um depois que não é mais do que miragem
De um instante que se afasta todo dia
Ilusória e cruel é esta imagem

Que simula mil anseios num momento

E transforma a expectativa em lamento.

(Yvanna Oliveira)

domingo, 21 de abril de 2013

O homem simples

Ilustração de Edi Guedes

O homem simples chora
E morre um pouco a cada dia
Com a carne que vira carcaça
Com a ave que prenuncia
A morte e o mau agouro
O fim de tudo que se crê

O homem simples chora
E morre um pouco a cada dia
Na lágrima que escorre seca
Na face rachada, suada
Na nuvem que é só de poeira

O homem simples se assombra
Ecoam no infinito suas preces
Pois pede aos céus que se apresse
Aos santos e a virgem Maria
Erguendo os olhos ao alto
Em paz com a sua agonia
Constata e escapa uma lágrima
Há um céu maior que deus
Há um céu sem sombra outro dia.

(Yvanna Oliveira)