sábado, 8 de dezembro de 2012

Senhora


Para vó Mazinha.


Estas tuas mãos suaves
Traçam histórias
Trilham estradas
Abrigam passarinhos
Beija-flores e bem te vis
Prestes a alçarem vôo

Olhar sereno de Maria
Para além de toda luz
Constata o amor de outrora
O vento no terreiro
O colo de mãe e o riso de pai
Que tarda e não chega mais

Os caminhos da tua pele
Levam a outros tempos
Sinais de sons, de silêncios
Angústias, Maria, e prazeres
Que hão de ficar quando tu fores.

(Yvanna Oliveira)

domingo, 4 de novembro de 2012

Zodíaco


Obedecendo à lógica astrológica
E ao movimento das constelações
Sempre pulsam em mim as emoções
E a culpa é da escolha cronológica.

O fato é que quem nasce em dia sete
E abre os olhos ao mundo em mês de julho
Aceita entrar de alma num mergulho
O sentimentalismo nos compete.

O sangue endurecido liquefaz
Em lágrimas que rolam pelo rosto
E o meu semblante fica descomposto
Não é fraqueza é o que precede a paz.

Eu choro, eu me entrego aos sentimentos
Mas tempestades não transformo em ventos.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

As flores do dia dois

Brancas e roxas colorem

o cinza da fria lápide

mármore onde se lê:

"Foi puta, sofreu e amou na vida"

A chama da vela clareia

o vento no fogo hipnotiza

a saudade escorre num rosto.


E as senhoras de tantas falácias

viúvas todas horrorizadas

na mesma atmosfera sepulcral

- onde jazem seus senhores -


Grinaldas amarelas

gentes e gentes

velas, mais velas.

Gemidos, sussurros, clamores

gritos em coro de impáfios

às Santas Marias mães de Deus.


No terceiro dia o silêncio

das flores secas sem pétalas

no dia três lugar sem luzes

Cruzes!

... e os moradores, vermes

(todos iguais)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Meninice

Quando descia a ladeira do açude 
Contava no chão de barro as pedrinhas
Ouvia de Curupira estorinhas
E com o avô caminhava em chão rude.

Na cabeça caldeirão sobre o pano
A menininha a sorrir satisfeita

Achava as férias no sítio perfeitas
Embora a água nem chegasse ao cano.

Vô soprava o machucão do joelho
Ramalhete de flores de açafrão
O céu n’água do açude feito espelho.

Levava sonho e suor pelas mãos
Pintava a vida no barro vermelho
Regava luz no pequeno Sertão.

sábado, 6 de outubro de 2012

Das coisas



“Coisas são só coisas servem só pra tropeçar.” (Chico César)

Casa, carro, tevês, uma biblioteca
A obra de Camões, os livros de Florbela
Pinturas, esculturas, variadas telas
Girassóis de Van Gogh e os sonhos de Dali.

A Divina Comédia, também Dom Quixote
E tantos livros quanto queiramos comprar
Que dividam estante, que dividam o lar
Passaporte, viagens para Paraty.

Telescópio, luneta e até mapa celeste
Câmera fotográfica, a mais perfeita
Na cama em que se voa e não somente deita
Iremos toda noite, juntos descansar.

Jardins bem coloridos, horta e um pomar
Bom descanso e lazer aos sábados e às quartas
A cozinha equipada e a mesa sempre farta
Das delícias das quais juntos seremos chefes...

Podem deixar de estar quaisquer destas mil coisas
Podem deixar de ser e nunca mais existir
Porém que o bom sossego não saia daqui
Seja possível ver o bem que mais nos serve.

(Yvanna Oliveira)

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Assunção de Maria



Não há primavera no sertão, no entanto, a árvore das carambolas está florida e um batalhão de negros soldadinhos faz colônia no tronco, nos ramos, nas folhas; os bichinhos se divertem de galho em galho, de flor em flor. Debaixo da árvore que faz sombra no quintal de casa, cresce Maria. Solitária, a menina costuma comer o fruto nos fins de tarde e brincar com os companheiros desiguais. Eles são hábeis, escapolem dos seus carinhos e alçam voo para um lugar que a menina vive em querer conhecer. Somem no céu, escorregam no arco-íris e voltam pra casa mais tarde, sempre junto com o nascer do sol. Soldadinhos e borboletas tem esta tendência de ganhar o firmamento e causar inveja às crianças que não entendem porque não tem asas.

O dia em que Maria nasceu foi místico, carregado de magia. Quando abriu os olhos, todos viram que duas estrelas estavam guardadas dentro deles. O brilho foi tão grande que o médico obstetra e os enfermeiros que estavam na sala de cirurgia, ao verem tamanha intensidade, perderam a visão por mais de meia hora. Todos ficaram impressionados na Unidade de Saúde: da senhorinha que cuidava da limpeza ao diretor, que fez questão de conhecer a menina (foi de óculos escuros com medo de cegar, apesar de o brilho já ter diminuído e não oferecer mais riscos a visão dos comuns). Foi um corre-corre sem fim. Muita gente da cidade quis ver a menina que trazia as estrelas no olhar. Uns diziam que era milagre de Nossa Senhora Aparecida, outros, não menos crentes, diziam que era obra de Frei Damião. Houve até quem dissesse que era sinal dos tempos, artifício do capeta, obra da besta. O estardalhaço foi tanto que até quiseram fazer romarias e acender velas no caminho que dava no sítio onde a menina morava. Mas logo o avô reprimiu: “onde já se viu, esse bando de desocupado espiando dia e noite minha casa?”. Depois de um tempo a cidade esqueceu...

 Maria foi crescendo ali: interior da Paraíba, zona rural do Sertão. Enquanto crescia, a mãe foi percebendo que a fala demorava a soar. Maria aprendeu a andar muito jovem, se interessava por música, adorava rabiscar e folhear livros. Mas falar que é bom, nada! A mãe pensava que era o pouco contato com outras crianças, já que moravam num sítio muito afastado e Maria não tinha irmãos. Rezava todos os dias para ouvir a voz de sua filha que deveria ser doce, que deveria ser suave e trazer-lhe paz. A única coisa que podia fazer, levando-se em consideração os laudos médicos que apontavam a perfeita saúde nas cordas vocais da menina, era rezar e fazer chá.  Fazia chá de casca de cebola todos os dias, além de chá de limão com um dente de alho e cinco gotas de mel às segundas-feiras. A menina também bebia água benta com romã e fazia compressa no pescoço com o chá das folhas de carambola uma vez por semana. Nada disso adiantava. Maria já era uma moça, tinha para mais de 13 anos e continuava em silêncio.

Com o tempo, a mãe acostumou e diminuiu as exigências para que Maria cumprisse a crendice popular. Embora não falasse, Maria lia e escrevia muito bem. Caminhava meia hora a pé todos os dias para ir até a escola. E desenvolvia seu aprendizado mais ou menos no mesmo ritmo das outras crianças. Não conhecia a Língua Brasileira de Sinais. Comunicava-se de seu jeito peculiar, a mãe e a professora entendiam tudo e, quando o diálogo exigia explicações maiores, Maria utilizava um bloquinho de notas. Havia um bloco e uma caneta em cada cômodo da casa e outro na mochila que a menina levava para a escola.

Numa tarde, quando Maria estava debaixo do pé de carambola, brincando com as borboletas, teve a impressão de ouvir um sussurro, uma voz que vinha dos fundos do terreiro, parecia vir do chão batido que guardara uma sabiá que morrera há uns anos; era o bicho de estimação da menina. Saiu procurando e tentando entender o que o som lhe dizia. Caminhou, caminhou, até chegar ao jarro das roseiras amarelas que marcava exatamente o local onde seu bichinho havia sido enterrado. Não ouviu mais os sussurros, mas entendeu perfeitamente, existia alguma coisa muito distante dali que lhe pertencia e que ela deveria ir buscar. Ficou obcecada com a ideia de viajar, sentia cada vez mais forte um sentimento de falta. Começou a programar uma viagem, cujo roteiro e o modo como se daria, a jovem ignorava completamente, sabia apenas que deveria acontecer aos 15 dias do mês de agosto.

            Finalmente, quando chegou o dia 15, no quintal da casa de  Maria, os soldadinhos estavam todos eufóricos; voando de galho em galho; beijando de flor em flor; as borboletas, então... esperavam ansiosas pela moça. Ela chegou na hora marcada, às dezessete horas, bem no comecinho do por do sol. O céu parecia uma tela pintada especialmente para aquele dia: nuances azuis com um delicado brilho alaranjado de um sol tímido, cores e mais cores em arco sorriam. Maria também sorria quando apareceu no terreiro, estava nervosa, tinha medo, mas estava feliz. Ficou, então, imóvel debaixo da árvore das carambolas por uns segundos e, de repente, um grande redemoinho varreu aquele lugar. Todos os soldadinhos giravam rapidamente em volta do corpo de Maria, criando pinceladas negras; as borboletas batiam as asas com avidez impulsionando e protegendo o trabalho coletivo dos soldadinhos. Minutos depois Maria começou a ascender, subia aos céus dançando no espaço, o seu vestido xadrez esvoaçava e dos seus olhos escapuliam poeira de estrelas. O redemoinho foi subindo forte e silencioso, um sopro que só deixou para trás o rastro das estrelas que estavam guardadas nos olhos da menina.

Quando a mãe de Maria se deu conta, desesperada, da falta da filha, saiu a procurar pistas nos blocos espalhados pela casa. Leu em um deles: “15 de agosto: Assunção de Maria.” Pensou que fosse aula do catecismo, não deu importância para as buscas. Saiu procurando mais pistas, leu no bloco da cozinha: “Mãe, fui buscar uma canção”. A mãe de Maria não entendeu nada, pensou “mas que filha desbaratinada!”, “onde se meteu essa menina?”. Dobrou os joelhos e se pôs a rezar de fronte a imagem da virgem. Acendeu duas velas: uma para cada brilho de estrela que se via no breu do firmamento, apenas duas estrelas enfeitavam o céu naquela noite, pareciam os doces olhos  brilhantes e amendoados de Maria. A mãe pediu com fé para que revisse a filha o quanto antes. Rezou tanto que adormeceu ali mesmo, agarrada com um terço, pertinho do oratório que já pertencera a sua bisavó.

Quando o sol vinha trazendo a manhã, trouxe consigo um canto que ecoou em toda a comunidade, as poucas casas, embora fossem afastadas umas das outras, eram todas tomadas pelo mesmo êxtase de uma doce voz que entoava um canto angelical. Era Maria, Maria menina moça de tranças e vestido axadrezado, descendo dos céus rodopiando, linda e rodeada de soldadinhos e borboletas, cantando na mais plena afinação.

Conta-se essa história naquela pequena comunidade do sertão.  É esta a assunção que se comemora por aquelas bandas aos quinze dias de agosto, a assunção de Maria, a menina que devolveu as estrelas ao céu e trouxe para a Terra seca do sertão a mais bela voz de anjo.

(Yvanna Oliveira)

sábado, 11 de agosto de 2012

Rosa amarela







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Não quero ganhar um buquê
todo grandioso e enfeitado
cheio de laços, de fitas

Quero uma flor apenas
uma flor feliz como eu,
pode até ser bem pequena
mas que seja aveludada e viva

Eu prefiro rosa à dália
mas não quero um buquê
quero uma, apenas
buquê vermelho é clichê
e às vezes marca falsidade
mentira, traição
fingidos de amor e paixão.

Então não quero que sejam vermelhas
embora eu goste dos tons carmins.
quero uma rosa aberta, amarela
cor de lua quando nasce
nascendo só para mim.

Uma rosa suave e singela
como é o meu amor
e que tenha  um pingo de orvalho
pra namorar a gota de lágrima
que vai escapulir do meu sorriso
quando eu ganhar uma rosa amarela.

Mas escuta baixinho, por favor
e  não diz ao meu namorado
porque eu quero a rosa, além de amarela,
numa surpresa a luz de velas
com um doce poema enrolado.

Cenas de um feriado

Cheira o pirão na panela
salpicado de coentro
harmonia casa adentro
luz entrando na janela

Som de Xangai pela casa
rede, num balanço lento
o pirão experimento
quente como sol em brasa

À poesia de Cancão
atenção lacrimejada
lembranças refugiadas
no sonho do sabiá

Há som e também silêncio
deste céu azul gigante
que me diz o quanto é grande
esta paz que sinto e penso

Enquanto falam, não ouço
perdida no pensamento
que cristaliza o momento
tão feliz de um mero almoço

(Yvanna Oliveira)

sábado, 14 de julho de 2012

Distâncias





A luz do abajur divide ausências
faltas e ânsias
dor de sofrer silêncios

a minha, abre caminhos de fantasias
dragões e heróis dividem o parágrafo
a linha
o trago...

a tua, é luz de realidades
racionalidades
e certezas
(não há espaço para as reticências)

fecho o mundo
guardo as letras
pontuo o final
contemplo o silêncio
e as cicatrizes

face a face
a léguas de distância
tu dormes.

(Yvanna Oliveira)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Florescer

Fotografia: Desabrochar (Joel Janeiro)

Eu não sei do que sinto e que sorrio
quando sou só sua e me entrego assim:
feito flor aos cuidados no jardim
esperando seu toque, seu feitio.


Não sei porque me abro lentamente
feito pétala ao sol vivaz, enfim,
meus lábios macios viram cetim
sedentos de sua boca tão somente.


E pressinto que já vê toda a gente
essa luz que converte pedra em flor
madrugada, manhã ou no poente


o seu brilho derrete o meu rancor
são os seus olhos, pedras florescentes,
trazem a minha vida mais vigor.


(Yvanna Oliveira)


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nos quatro cantos


(Os livros da minha cabeceira
Guardam os anseios do mundo
E revelam segredos gigantes... )

Calma, estou procurando
nos quatro cantos da minha mente
o sentimento que valha uma leitura

Parece que meus olhos se fecharam
e a imagem fixa é ficção...

A maldade humana corrói!
Perversos e suas almas vendidas
patéticas ações patológicas
(há que se ter uma explicação sociológica!)

Eis a mente, o labirinto
perigosa responsável
(ela ou o destino?)
há quem diga: “estava escrito!”

Eu sinto tanto...
eu vejo tanto,
mas parece que meus olhos se fecharam
e tudo é escuro.

Os quatro cantos da minha mente
mentem!
“há que se acreditar na bondade humana!
há que se esperar um sorriso
e a mão que atravessa o cego!”

Mentem!
Descrente que estou...
meu otimismo despetalou

as flores coloridas desabrocharam no jardim
(nos quatro cantos há várias delas)
mas fora dele eu só consigo sentir
o espinho seco atravessando-me a garganta.

Há que se enxergar
no interior
há que se crer.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Soneto aos sóis que vejo na fotografia


Seus olhos são luzes que me tornam visíveis
Esclarecem-me a alma, enchem-me de fulgor
São sóis à meia noite, são brilho e calor
Raios que cintilam-me sorrisos sensíveis

Seus olhos tem um brilho que prende os meus
As luzes então saltam e se multiplicam
Envolvem nossos corpos que em nuvem faíscam
Tornam-se um só clarão, apagam-se os breus

Eu não canso de vê-los na fotografia
Seus olhos espelhos d'uma alma feliz
Refletem em mim lembranças primaveris

Recordo instantes de graça e simetria
E os olhos marejam de contentamento
Eu os fecho e viajo no meu pensamento.

(Yvanna Oliveira)

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Versos livres desinteressantes

Quisera eu me fechar no silêncio noturno
das luzes da cidade
perder-me num sobrevoo livre
presa às asas de qualquer ave

Quem dera o meu tormento,
meu pranto e meu lamento
ecoassem do alto daquele rochedo
e estremecessem toda a Terra

Quisera eu ser ouvida,
ser sentida em minha essência...
Mas é vã a minha voz
é inútil o meu sentir

Cruzo a todo instante com tanto estranho
e é estranho o meu falar

Eu, que ordeno aos meus olhos
bloqueio a lágrima e forço o riso
atuo em tantos roteiros
dementes,
incoerentes,
inesperados,
desesperados.

Eu, tão atriz, tão personagem de mim
ainda fraquejo quando sou alvo
dessa retina que só existe nos meus olhos

Então, eu constato de novo
e mais uma vez:
francamente, cansei!

Eu, que tantas palavras calo
e que milhares de angústias disfarço
perdida nos meus anseios
ainda espero da solidão

ainda espero só.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Soneto que nada diz



Para Antonio de Lira

Eu busco, amor, no meu íntimo o que te expresse

O sentimento veemente que me despertas
Mas é em vão, não há versos ou rimas certas
Toda poesia é pequena ao que me parece.

Toda palavra é confusa, logo emudece

Assim que vê o que deve ser traduzido
Então eu calo e te faço só um pedido
Aceite os versos, simplórios. Já anoitece.

E o verso puro que eu quis a mim recusou

Minha agonia já mostra meu insucesso
Eu sinto tanto e não digo. Está bem, confesso:

Sinto-me fraca e sei, pseudopoeta sou

Peço-te entenda a coragem desta aprendiz
Que te oferece um soneto que nada diz.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Soneto ao Silêncio



O meu silêncio tem um quê de sagrado
Fica guardado em teu olhar se desprende
Tanto me diz quanto te quero ao meu lado
Fala tão alto, teu olhar o entende

Deixo-o guardado; meu silêncio só teu
Pois sei que quando nossos olhos se amparam
Culto sagrado: teu silêncio no meu
Eles se guardam, nos protegem, se encaram

Nosso silêncio, sentimento, tem tom
É voz, sussurro, faz sorrir, dá prazer.
Pura harmonia. Nosso amor faz-nos ver
Luz por saber que ouvir silêncio é um dom.

Faz-nos ouvir só o que carece de o ser
Há melodia até na ausência de som

(Yvanna Oliveira)

Pequenos Vulcões


À frente do espelho: não vejo
há imensidões
que embaçam-me a face
e só me resta um ponto fosco de luz
preso no meu olhar

um traço fino já contorna-me os olhos
e o meu semblante vaga
por onde não sei

meus olhos são dois pequenos vulcões
que fervem aos meus tremores
e cada gota que emerge
escorre
se perde
e leva consigo
um pedaço de mim.

(Yvanna Oliveira)

sábado, 26 de maio de 2012

Espectros

À noite o destino é o mesmo
meu desatino vem desse ócio
impregnado nas rachaduras
que viram fantasmas insistentes
e não cansam de me atormentar

(espectros me perseguem)
estou exausta de cochichar

as paredes do meu quarto
já estão cheias de segredos

meus lençóis não suportam mais
o peso das nascentes
a corredeira das lágrimas secas
o assombro das sombras

 (qualquer hora desnudo)

enquanto coberta,
guardo meu mundo
trancado às chaves secretas
por trás das portas dos fundos
um mundo só, meu

lamento,
faz mais frio a cada dia.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Quiromancia



Para acalmar minha ânsia
abro de leve as mãos
vejo as linhas
que passeiam
tontas
se cruzam
em adivinhação.

Pra o futuro,
o traço da vida diz:
Morreste!

Traz-me, pois,
velas no amanhã
e fogo, e luzes
e perfume de flores

Impreca baixinho
aos céus, aos santos
aos orixás, aos deuses
Talvez eu ressuscite.
Quiça eu volte!
No amanhã.

domingo, 20 de maio de 2012

Busca



Minhas pálpebras palpitam
- como o músculo das emoções -
atentas ao que não se vê
por dentro adormeço
distante, silente
itinerante de notas e letras
que se findam
em êxtase e lamento
ecos da alma

fecho os olhos para o mundo
(insana realidade)
porque se se fecha a janela
o mar de negro em que se adentra
e o infinito que se pode tocar
possuem a imensidão das galáxias
e a profundidade do lume da Terra

rejeito o palmo opaco à frente
o lodo e o bolor

fecho os olhos
e encontro um facho de luz
que de olhos abertos
não se pode ver.


(Yvanna Oliveira)

sábado, 19 de maio de 2012

Mulheres


Em cada passo que dou na estrada
uma mulher salta
pés descalços
sobre saltos
se desfazem no caminho.

A cada passo que sigo
sirvo de morada
abrigo de aves santas
descaradas e devassas.

Em cada trecho da estrada
sou mais uma
sou milhares
mil mulheres
sem disfarces
abrigam-se num olhar.

(Yvanna Oliveira)

Bucólico


As imagens que tenho nas mãos
são a minha companhia
(não posso queixar-me de solidão)
há um lago, há sol, há a vida
e o vento no rosto ingênuo que sorri
cantando palavras que já me são melodia

no terreiro um varal riscando o céu
cheio de lençóis brancos dançando
borboletas coloridas beijando jasmins
girassóis sorridentes se bronzeando

há o violão que dormiu com a lua no sereno
envolto de umas tantas garrafas amigas
há a sede pelo torpor da noite no dia
saciada por beijos e beijos mais doces,

há também o abraço longo e a preguiça
um tapete amarelo completo de flores
e recordações de quando tudo eram só palavras

há uma espreguiçadeira indolente no alpendre
o chamego de um pé que namora o outro
e debaixo da rede os olhos amigos de um cachorro
ao som da sinfonia de pintassilgos e bem-te-vis
convidados constantes da nossa morada

e isto é arte, a nossa frente tela aquarelada
um mundo inteiro pra ser só nosso, em nossas mãos posto.

(Yvanna Oliveira)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Sobre olhos - amontoado de palavras


afogados em mar de rímel descomposto,
sinto muito, meus olhos
insistem em querer fechar

eu fecho as janelas do quarto
porque gosto de mergulhar no escuro
da tristeza permanente alojada em meu peito.

Yvanna Oliveira

domingo, 29 de abril de 2012

Bungee jumping ofertado

Armam-te um penhasco
Dão-te cordas aos metros
Sentes vibrante, latente
O eufórico vento no rosto
Precedendo o momento
Em que tu, depois do vôo,
Bruscamente te enforcas.

(Yvanna Oliveira)

Reflexos


Quando a luz se apaga
e o frio da noite toca-me a pele
sinto meus pés descalços
caminhando sobre as pontas
no labirinto que há em mim
ouço óperas melodramáticas
ora acordes, ora vozes
choro e sorrio com os espelhos
ando numa plataforma deles
e os vejo refletidos nas paredes
-não se pode fugir-
milhares de mim se espalham
 e olham intrigadas outras milhares.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Semana Santa


As casas todas juntinhas
Sino chama na igreja
Mulheres e criancinhas
Vão ver Jesus na peleja

Lá todos dizem amém
Só matraca faz barulho
O sofrimento do bem
Vira vida, traz orgulho

Sob o sol do meio dia
Caminha dona Maria
Com magras canelas secas

Até fome silencia
Ofício da agonia
E Maria satisfeita.

(Yvanna oliveira)

sábado, 24 de março de 2012

Partida

A última flor que restou
aponta com desânimo o infinito
a que desabrocha
esquiva-se de respostas
fecha os olhos
(de medo)

a marcha da ave-maria toca
o silêncio faz eco
em caverna
tudo é pedra

da janela
um feixe de escuridão
e o curso inevitável das nascentes

a última flor que restou
imersa em gotas de orvalho
insiste e aponta o infinito

sob brisas e sombras da tarde
sobras e escombros ficam
(é mais um que sai
sem correntes).

Yvanna Oliveira

sexta-feira, 16 de março de 2012

Fim de tarde

Da janela gradeada toco a brisa
sussurro sutilezas ao pé do vento
uma formiga beija o tomateiro
a música embala a subida
uma risca de giz azul
corta rasante meu firmamento
um menino cai, chora
por que mesmo, menino?
esqueça a dor
a vizinha escreve cartas de amor
para ninguém
depois me corrige aos berros
(é para todo mundo!)

o céu cai manso
abraça a Terra
eis o senhor alaranjado
despedindo-se cansado

cochilo sobre os braços
e o vaga-lume  cochicha:
acorda
já vem a lua
abotoar teu céu
de questões
desagasalhadas.

Yvanna Oliveira

terça-feira, 13 de março de 2012

A porta


Ela veio de mansinho até que um dia chegou de malas e cuias e se alojou na pequena cidade. Escolheu para morada uma casa grande que tinha as paredes bem branquinhas, um cheiro de tinta lavável no ar e era cheia de pinheiros apontando para os céus, alguns na entrada, outros nos fundos daquele lugar. No entanto, o que mais chamava atenção na casa era a porta – uma porta bem maior do que a que os moradores da cidadezinha estavam acostumados a ver aberta e que tinha sobre ela o nome da tal família entalhado em letras garrafais azuis e vermelhas.

Curiosos, os moradores da cidade observavam atentos toda a estrutura que pouco a pouco se organizara. Os recém-chegados eram o assunto da cidade. “Decerto, por esta porta entraremos muitos de nós”, especulavam os mais otimistas. Os pessimistas, embora quisessem também conhecer aquele lugar e aquelas pessoas, se achavam incapazes, inferiores demais para tanto. Por isso, se contentavam em se manter com os próprios pés curvados e apoiados na parede, sujando a frente de suas próprias casas, esperando o tempo passar em todas as tardes sem fim que se seguiam...

Quando foi anunciado que as obras na casa haviam sido concluídas, a cidade foi tomada por tanta ansiedade coletiva que o murmurinho fez chegar o fato até a emissora de rádio da capital, esta, por sua vez, resolveu aparecer por lá para fazer a cobertura do evento de inauguração. Afinal de contas, enfim, a casa ficara pronta e todos queriam ver o que havia por trás da porta imponente.  Os donos prepararam cuidadosamente a festa e trataram de acolher uns tantos vizinhos, moradores das ruas mais próximas, das mais distantes e até de outras cidades também. Chamaram-nos amigos, parte, a partir de então, da tal família. Os jornais noticiaram, as revistas locais também.

Ela veio de mansinho, fez festa, mudou a rotina da cidade, tomou para si a força de que precisava... Foi porta da esperança e porta dos desesperados. Hoje se abre feito luz desbotada no fim da avenida. É preciso encontrar um caminho, principalmente quando não se tem para onde ir. Ainda há quem se dirija até lá, embora as paredes deste lugar cheirem cada vez mais a sujeira e os “acordos” que a tal família imponha aos seus não cheguem feito festa aos jornais, tampouco às revistas. Pois é, dizem tanto que abrir uma porta é fazer um favor, há quem acredite. Na pequena cidade não se contesta o favor que se recebe, se agradece.

Ela veio de mansinho, fez tudo de caso pensado. Cresceu... Cresce. Na mesma medida em que domina, explora e desrespeita. Ops! Há um buraco na fechadura, mas me parece que ninguém vê. Só posso supor: por trás dessa grande porta há gente grande demais.

Yvanna Oliveira